Virada da Consciência 2023 12º Congresso Internacional "O Brasil que queremos ter" debate estética dominante na comunicação

19:56:00

Painel mostrou os desafios do jornalismo e da publicidade & propaganda para representar a diversidade da população brasileira

A Universidade Zumbi dos Palmares iniciou, na noite de ontem (16) o 12º Congresso Internacional “O Brasil que queremos ter”, com uma ampla programação de conteúdo. O primeiro painel foi sobre Combate à prevalência da estética dominante na comunicação – em busca da inclusão e promoção da igualdade.

A mediadora Carla Miranda, editora de Inovação do jornal O Estado de S. Paulo lembrou que os profissionais negros e pardos representam apenas 20% do jornalismo brasileiro. E disse que, em 2024, o jornal deve lançar, em parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares, um curso para pessoas negras e pardas da periferia de qualquer área de formação – no tradicional curso de trainee do jornal, 40% dos participantes são dessas etnias e da periferia.

Carla ressaltou ainda que a transformação nesse cenário ocorre de modo muito lento no País. “É preciso encontrar caminhos para acelerar essa mudança e preparar os futuros profissionais, pois o cenário não é simples. Como é que a gente faz jornalismo se a gente olha para um lado só?”, questionou Carla diante de uma sala lotada de estudantes da Universidade Zumbi dos Palmares.

Eneas Carlos Pereira, diretor de Programação da TV Cultura; Flavio Carrança, diretor do Sindicato dos Jornalistas e coordenador da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira SP) e Ariel Nobre, diretor executivo do Observatório da Diversidade na Propaganda.

Flávio Carrança, diretor do Sindicato dos Jornalistas e coordenador da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira SP), também participante desse painel, afirmou que ausência de diversidade tem um alto preço para a comunicação e impacta os resultados. “Em um país com 56% da população negra, seria de se esperar que houvesse uma proporcionalidade na comunicação. E, assim como outros setores, não existe. Nas redações, parece que estamos Suécia’, comparou ele. A mudança desse cenário passa pelo acesso de pessoas negras a lugares de poder, a posições de liderança”.

Já Amilton Jesus dos Santos, professor e coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Zumbi dos Palmares, enfatizou sublinhou que, para falar sobre a presença do negro na sociedade brasileira, é preciso refletir sobre o passado, presente e futuro. “Na Lei Áurea, que aboliu a escravatura, vemos dois parágrafos – liberte-se o escravo e publique-se esta lei. No entanto, não houve políticas públicas. Quando os alforriados saiam das fazendas, não conseguiam empregos. O Brasil viveu 300 anos na escravatura. Houve uma opressão muito grandes e ela continua até hoje, infelizmente”.

O professor lembrou que o negro precisa trabalhar duas vezes mais do que o branco. “Ele tem, constantemente, que provar sua capacidade intelectual, sua inteligência, que é capaz e, mesmo assim, haverá a desconfiança de quem o contrata. Temos que ter orgulho de quem somos, orgulho de nossa dignidade, de nossa origem e não nos deixar abater por comentários racistas”.

Gabriela Rodrigues, vice-presidente de impacto da agência de publicidade Soko, afirmou que a pessoa que não se enquadra no padrão precisa confiar em si, pois não há a mesma estrutura de direito para todos. Ela contou que também encontrou muitas barreiras em sua trajetória profissional no mercado de Publicidade e Propaganda. “As agências não me deram espaço no início. Se os diretos fossem iguais, todos teríamos a mesma confiança. Agência padronizada não tem ideia boa, não tem criatividade, pois não tem choque de repertório”.

Ariel Nobre, diretor executivo do Observatório da Diversidade na Propaganda, salientou que apenas 20% das agências brasileiras são integradas por pessoas negras. “Hoje a gente vê e quer ver mais pessoas negras, LGBT na propaganda, pessoas que são a diversidade. Nosso desafio é ampliar isso. A propaganda está diariamente definindo o que é bom, o que a gente quer. Falam sobre nós e não deixam a gente falar. Quem está fazendo essas narrativas e falando sobre nós sem a nossa participação? Tem dez vezes mais brancos do que negros nas maiores agências do Brasil. A igualdade é ilusória. A diversidade é ilusória. Essa diversidade ainda é branca”.

Para Eneas Carlos Pereira, diretor de Programação da TV Cultura, o posicionamento antirracista e ampliação das vozes são fundamentais. “Precisamos de um movimento de capacitação de todos. As pessoas pretas e pardas tem que estar em todas as produções e posições de decisão. Quantos executivos de streaming negros e pardos existem? Quantos são pretos e pardos na diretoria das empresas? O caminho para a mudança passa por dar voz. As empresas que não mudarem ficarão à margem”.

Para mudar esse panorama, o professor Amilton destacou a necessidade de haver políticas, mecanismos e ações afirmativas para que a sociedade exija de seus governantes eleitos, de quem ocupa lugares de decisão, “pois não temos os mesmos direitos de ir e vir, o direito ao trabalho... Se cobrarmos toda vez que elegemos um político, a sociedade começa a mudar”.

“A mídia estereotipou a imagem de que a beleza só vem da parte branca. Isso é uma mentira. Nós somos bonitos, somos capazes e somos inteligentes. Cabe a eles mostrarem o contrário. Os movimentos sociais estão colocando o negro novamente em foco, no seu lugar de direito. Os corpos negros também fazem parte desse lugar que é a cultura, que é a imagem, que é o jornalismo”, finalizou Amilton.

Liderança inclusiva

Outra apresentação da noite foi feita por Kimberly Brown, fundadora e CEO da Manifest Yourself, empresa especializada no desenvolvimento de lideranças diversas e inclusão para impactar empresas, com a missão de ajudar mulheres e pessoas não brancas a se posicionar no mercado de trabalho. Ela falou sobre Liderança Inclusiva e Desenvolvimento Sustentável de Carreira.


Pela primeira vez no Brasil, Kimberly disse à uma plateia majoritariamente de jovens negros que é preciso criar estratégias para combater o racismo nas empresas e deu cinco conselhos: conhece seus pontos fortes e fracos; elaborar uma comunicação adequada sabendo escutar e depois se posicionar; criar cultura de inclusão se esforçando para mudar ambiente de trabalho; fazer uma rede de apoio que possa ampliar seu networking para dar poder e influência; e avaliar frequentemente seu progresso, “afinal o que não é medido, não é sentido, assim é possível ajustar o rumo da carreira e da vida”.

Ela afirmou ainda que “você precisa acreditar em você, aonde quer chegar e procurar atitudes inspiradoras. Seja parte da mudança que quer ver. Garanta que a inclusão não esteja só na foto do cartaz da empresa, mas em sua cultura. Isso é vivenciar o desenvolvimento sustentável na carreira”, informou Kimberly Brown.

Racismo estrutural

A expulsão do racismo estrutural das telenovelas brasileiras – a hora e a vez do Brasil real foi o tema da terceira mesa do Congresso. O ator, pesquisador, militante negro e diretor de teatro Sidney Santiago destacou que “em boa parte da minha trajetória tive que aceitar papeis que não condiziam com o que acreditava, apenas pelo meu biotipo. Como um homem preto só podia fazer papeis com arma de fogo e morador de comunidade. Hoje está havendo um ajuste de rota, mas, de forma lenta e gradativa”.

Para a pedagoga e escritora Josy Asca “é muito importante que os autores tenham a consciência de que as crianças também assistem novelas e precisam se sentir representados. Como mulher preta, a minha única referência da infância era a Tia Anastácia, do Sitio do Pica-Pau Amarelo, sempre servil. Hoje, nossas crianças estão com a oportunidade de ver nos folhetins atores negros representando advogados, professores, juízes. É de extrema importância mostrar que há espaço para nossas crianças pretas”.

Já a publicitária Rafaela Queiroz, diretora geral da agência Performics do Grupo Publicis, disse que um de seus compromissos - como uma pessoa não negra, mas que só chegou aonde está por meio de muito trabalho, estudo por meio de cotas – é promover a diversidade. “Na agência onde trabalho, principalmente no meu núcleo, temos cerca de 50 % dos líderes negros e, ao longo dos anos, identificamos um aumento nos resultados de vendas dos clientes quando criamos campanhas e ações em conjunto com quem tem esse lugar de fala, seja na questão de raça, gênero”.

Programa de hoje

O Congresso se encerrará hoje (17/11) com quatro mesas de debates. A primeira delas é Comunicação vs Pessoas Negras - as vivências internacionais analisadas sob essa perspectiva e contará com a participação dos Drs. Christian Daniels, Florida A&M University (Tallahasse); Joseph Williams, da Fundação Joe Beasley (Atlanta); Kassie Freeman, presidente da African Diaspora (New York); e Tammy L. Holmes, Prairie View A&M da Texas Univesity. A mediadora será a dra. Sonia Guimarães, física, pesquisadora e professora universitária.

Outro debate será sobre O ESG como ferramenta de oposição as formas de opressão – a promoção do social por meio da inclusão e o protagonismo de pessoas negras na agenda de sustentabilidade e contará com a presença de Viviane Mansi, diretora de ESG e Comunicação da Toyota e presidente da Fundação Toyota; Antonio Fernando Pinheiro Pedro, - advogado e consultor da Pinheiro Pedro Advogados; Acácio Jacinto, gerente adjunto do Canal Futura; Letícia Vidica, apresentadora, palestrante e escritora, integrante do coletivo Herdeiras de Glória Maria; Carol Jango, Diretora Geral do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP); com mediação de Joyce Ribeiro, jornalista e âncora do Jornal da Cultura na TV Cultura.

Cotas ou Ações Afirmativas - lições do Brasil e além vai reunir palestrantes internacionais, com medicação de Sonia Guimarães, física, pesquisadora e professora universitária brasileira. São eles: Dr. Richard Freeman, da Fundação Joe Beasly de Atlanta (EUA); Dr. Clifford Jaylen Louime, Fulbright Scholar da Universidade de Porto Rico (EUA); Jason Hughes, congressista de LA de Nova Orleans (EUA); e Dr. Gary Hanssen Gervais, ex-voluntário do Corpo de Paz na África, Universidade de Porto Rico (EUA).

O debate que encerra o Congresso é sobre Barreiras limitantes no ensino superior - as universidades como vetor de transformação para uma sociedade plural e vai reunir o reitor da José Vicente, da universidade Zumbi dos Palmares, como mediador; Maria Luzia Nunes Dumbo, docente universitária e curadora da Fundação Piedoso; Roque do Nascimento Albuquerque, reitor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB); Raiane Assumpção, reitora pro tempore da Universidade Federal de São Paulo; e Lili Pontinta Cá, reitora da Universidade Amilcar Cabral, de Guiné-Bissau.



O 12º Congresso Internacional da Universidade Zumbi dos Palmares tem como parceiros o Canal Futura, a ECA/USP, entidades de classe como o Sindicato dos Jornalistas Pretos, a Associação Brasileira de Agências Publicidade, veículos de imprensa e agências de propaganda.



Mais informações no site do evento: www.viradadaconsciencia.com.br.

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